segunda-feira, 6 de maio de 2013

NASA admite descoberta secreta em Marte. Vida não é certamente



Lição n.o 1 para um cientista a braços com algo que ainda não pode revelar: nunca dizer a um jornalista da rádio mais prestigiada dos Estados Unidos que os dados que tem em mãos são avassaladores (“earthshaking”, nas palavras de Joe Palca, um dos repórteres mais famosos da NPR). Lição n.o 2: não acrescentar que esses mesmos dados “são daqueles para os livros de História”. As declarações de John Grotzinger, investigador principal da equipa do novo robô marciano da NASA, Curiosity, foram publicadas há três dias. Delas nasceu o rumor científico do ano: a NASA está só a fazer as últimas validações antes de anunciar algo bombástico relacionado com a nova missão em Marte, o robô Curiosity, que procura ir mais longe na resposta à pergunta “há ou terá havido condições de vida no planeta vermelho?” Daí a começarem a imaginar-se provas irrefutáveis de haver alienígenas, ainda que bactérias, foi um passinho.
O facto de os norte-americanos estarem por esta altura do ano a gozar o Dia de Acção de Graças torna complicado medir o entusiasmo entre a comunidade científica mais próxima dos trabalhos da NASA. Para já, a principal aposta é que a suposta descoberta terá a ver com sinais de material orgânico em rochas recolhidas no planeta. Estas estão a ser analisadas num conjunto de três instrumentos a bordo do robô, chamados Sample Analysis at Mars (SAMS), “que ajudam a perceber a composição química do planeta vermelho”, disse ao Douglas Vakoch, do Instituto de Pesquisa de Vida Extraterrestre (SETI), desculpando-se com o feriado nacional para dar respostas mais breves do que o habitual.
Já Paul Davies, investigador da Universidade do Arizona – e um dos pais da teoria de que as primeiras moléculas de vida chegaram à Terra a bordo de meteoritos, e que estas poderão ter surgido inicialmente no planeta vermelho –, afastou qualquer hipótese de a NASA ter descoberto vida em Marte, até porque não tem equipamento para isso no local.
“O Curiosity não tem a decorrer experiências de detecção de vida e não está directamente à procura de vida.” A maior descoberta que a NASA poderia ter feito, diz Davies, seriam as tais moléculas orgânicas. “Mas estas podem vir de material de meteoritos que caíram em Marte e não são uma prova de vida, apenas química básica. É de esperar que o robô encontre este tipo de lixo de meteoritos.”
Química básica como oxigénio? As respostas são curtas, porque Davies está a correr para apanhar um avião. “Não, um nucleótido. O oxigénio não é uma molécula orgânica.” Mas os nucleótidos não são os blocos do ADN? É possível encontrá-los assim isolados, sem estarem numa forma de vida? “Quase de certeza, mas as tentativas para recriá-los no laboratório nunca correram bem. Mesmo assim, não seriam uma prova de vida, mas ia ter impacto.”
Os resultados do escrutínio aos dados que entusiasmaram Grotzinger ao ponto de não se conter durante uma visita de Joe Palca ao Laboratório Jet Propulsion da NASA, em Pasadena, na Califórnia, só serão divulgados no encontro anual da União Americana de Geofísica, na primeira semana de Dezembro. No rescaldo do boato, Guy Webster, porta-voz da agência espacial, explicou que o investigador estava encantado com a qualidade e a variedade de informação que recebeu no dia da visita do repórter, mas que isso não indicia nada de estrondoso. “Já esteve assim entusiasmado noutros momentos da missão”, disse ao “Sydney Morning Herald”. Quanto ao livro de História, Webster explicou que a expectativa é que toda a missão do Curiosity, que aterrou em Marte em Agosto e tem três anos de trabalho pela frente, venha a constar dos manuais.
Longe destas respostas oficiais, continuamos a tentar perceber. Davies diz que tem sido difícil sintetizar nucleótidos, mas uma notícia de 2009 mostra que a equipa de John Sutherland, da Universidade de Manchester, teve sucesso. As provas de que é possível manufacturar ingredientes de vida misturando açúcar, fosfato e uma base saíram na “Nature”. Deste lado do oceano, Sutherland não está de folga mas também vai de viagem. “Ainda não vi esses rumores acerca de Marte mas a síntese de ribonucleótidos (os constituintes do ARN como os nucleótidos são do ADN) em condições pré-bióticas [na ausência de vida] é, na minha opinião um problema resolvido”, explicou ao i. “A descoberta deste tipo de matéria orgânica em Marte não seria necessariamente prova de vida, mas pode ser a prova de condições condutoras à vida.”
Quanto ao secretismo, que irá alimentar especulações até Dezembro, Vakoch é quem mais ajuda: “A NASA está a seguir os procedimentos da boa ciência. Quando uma experiência sugere que fizeste uma grande descoberta, os resultados devem ser confirmados antes de serem tornados públicos.” Dawn Sumner, do Departamento de Geologia da Universidade da Califórnia, é quem está mais perto de Pasadena. Além disso, já trabalhou com John Grotzinger. É por isso a fonte mais próxima do segredo. Acredita que o anúncio da NASA será a primeira prova de vida extraterrestre? “Não. É pura especulação dos media com base numa frase publicada fora do contexto”, disse ao i. “Só quando os dados estiverem suficientemente validados serão públicos. Depois, cabe aos cientistas de todo o mundo reanalisá-los. E isto é assim para todas as descobertas significativas, dos seixos que sugerem leitos de água a sinais de que não há metano na atmosfera.”

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